domingo, 24 de março de 2024

INTRODUÇÃO À HISTÓRIA

A origem da palavra história é grega (historie) e significa de maneira geral "conhecimento que se adquire através da pesquisa".

O grego Heródoto é considerado o Pai da história por ter sido o primeiro a escrever sobre eventos de maneira metódica, buscando evidências que comprovassem a veracidade.

Para que serve a História? por que estudar história?
-A história não possui a missão de salvar o homem dos erros do passado, impedindo-os de os repetir no presente ou no futuro. Se assim fosse, não teríamos a repetição de regimes tirânicos, políticos demagogos, guerras, etc.
- A história nos auxilia a compreender o que a humanidade construiu ao longo de sua existência e o que as sociedades contribuíram em termos intelectuais, culturais e materiais.
-A história é importante tanto para a vida individual quanto para a vida social, pois é possível  entender como o passado influencia o presente, o porquê das coisas serem como são e quais são os melhores modelos de vida, de sociedade e muitas outras possibilidades.
-a história desperta em nós a percepção de que existem culturas diferentes;
-ela contribui para a ampliação das fronteiras da imaginação;
-ela evita o estreitamento do horizonte de consciência, impedindo o provincianismo;
-ela fornece condições para entender as estruturas econômicas, sociais, políticas, religiosas, ideológicas e jurídicas das sociedades ao longo do tempo.
-Há outras áreas do conhecimento que usam princípios da história, mesmo não tendo a formação nesta área: o investigador policial, o perito criminal, o jornalista, o escritor, o cineasta, etc...além disso, todas as áreas do saber possuem sua própria história: história da física, da química, da matemática, da medicina, da engenharia, etc.

Alguns conceitos de História:

A história estuda o ser humano e suas ações ao longo do tempo
A história é o estudo das ações humanas no passado e no presente
A história é a ciência dos homens no tempo

Atribuições da História: O que a história estuda?

-As realizações humanas, boas e ruins
-As mudanças, que são duas: tecnológicas e comportamentais
-As permanências
-A produção cultural, imaterial e material


O que muda de maneira mais rápida: a tecnologia ou os comportamentos?
As mudanças tecnológicas ocorrem de maneira mais rápida do que as comportamentais...isso é explicado pelo desejo humano de ter menos esforço, mais conforto, mais benefícios, etc.

As mudanças comportamentais ocorrem de maneira mais lenta porque dependem dos usos, costumes, tradições, crenças, etc.
Algumas civilizações mudam de comportamento de maneira mais rápida do que outras...o maior exemplo é quando comparamos a civilização ocidental com a islâmica: a ocidental muda de maneira bem mais rápida.
Alguns povos praticamente não mudaram ao longo do tempo devido ao isolamento em que vivem. Temos o exemplo de algumas nações indígenas na Amazônia brasileira.

A produção cultural: todo ser humano é um ser cultural...o ser humano produz cultura...Exemplo: é o único ser que cria e utiliza objetos para se alimentar: gás, eletricidade, fogo, grelhas, micro-ondas, talheres, copos, panelas, condimentos, pratos, etc.

Toda a produção cultural humana ocorre de forma imaterial e material
imaterial: primeiramente, antes de vir ao mundo material, imaginamos, pensamos, projetamos.
material: ocorre quando a ideia se materializa
Exemplos:
-os objetos que o ser humano inventou; primeiramente foram imaginados, depois foram fabricados.
-a casa que alguém sonhou em ter: primeiro ela foi imaginada, depois ela foi construída segundo o que foi projetado.
-a música que alguém compôs: ela existiu primeiro na mente e se materializou quando foram usados instrumentos musicais, partitura, etc.
-samba e frevo fazem parte do patrimônio imaterial do Brasil porque existem primeiramente na mente, traduzem saberes, relações de pertencimento, para sambar ou frevar é preciso primeiro conhecer os passos, ensaiar, etc...e tudo isso ocorre na mente.

Patrimônio Cultural:
Um Povo sem História é um Povo sem Memória...preservar as paisagens, as obras de arte, as festas populares, a culinária ou qualquer outro elemento cultural de um povo, é manter a identidade desse povo.

A produção cultural humana dos povos ao longo do tempo resultou na criação de um vasto patrimônio imaterial e material, o qual, na medida do possível dever ser preservado. Essa preservação vai depender do grau de importância que cada povo concede ao seu passado. Esse patrimônio faz parte da identidade cultural de um povo, do seu legado, de sua história.

A importância de se preservar o Patrimônio Histórico está associada à constituição de uma memória coletiva, considerando que é por meio da memória que nos orientamos para compreender o passado, o comportamento de um determinado grupo social, uma cidade ou mesmo uma nação. O estímulo da memória também contribui para a formação de identidade, retomada de raízes, e a compreensão a respeito da situação sociocultural de um povo.

As Fontes Históricas: São documentos, objetos, textos, sons, etc., os quais possuem informações importantes sobre algum período da história, sendo indispensáveis para que se estude o passado.
Tipos de Fontes históricas
a) escritas: textos, discursos, leis, decretos, etc., os quais foram escritos em argila, papiro, pergaminho, pedra, papel, digital, etc. 
b) orais: depoimentos, entrevistas, gravações, relatos e histórias contadas por pessoas...incluem-se também as lendas e as tradições que uma geração passa para a outra.
c) Fontes Diretas ou Primárias / Fontes Indiretas ou Secundárias:
Fonte primária é a fonte original da informação, é o primeiro grau da informação...é a fonte original. Exemplo: o livro escrito pelo seu autor. Quando lemos esse livro, estamos consultando a fonte primária ou direta.
Uma fonte Secundária é um documento, imagem ou gravação que discute ou relaciona informações já apresentadas em outros lugares. É o resultado das discussões realizadas no material da fonte primária.
Exemplo: o comentário, o resumo, a resenha ou a reportagem sobre o livro de determinado autor.
d) Fontes Imagéticas: referem-se às imagens, gravuras, desenhos, pinturas, esculturas, filmagens, mosaicos, vídeos, grafitagens, etc. Na pré-história o ser humano já desenhava nas paredes das cavernas as gravuras rupestres.
e) Fontes materiais: são os vestígios físicos das atividades de pessoas humanas. Por exemplo: roupas, móveis, utensílios, ferramentas, armamentos, etc... incluem-se também os objetos e os sítios arqueológicos, fósseis, etc.

O Tempo e a História:
Anacronismo:
significa a interpretação do passado realizada a partir de um contexto social, político e cultural dos dias atuais...ou seja, julgamos o passado com base nos valores e ideias atuais...isso acaba por dificultar a compreensão do passado, pois cria uma interpretação desconexa com o conjunto de valores e ideias da época trabalhada. Sendo assim, o anacronismo cria interpretações incoerentes sobre as experiências, questões e modos de vida das sociedades passadas. Isso não significa que vamos defender aquilo que é considerado injusto, desumano ou cruel, mas entender o seu contexto cultural, político e histórico...ou seja, não vamos defender a escravidão nem os que tinham escravos, mas entender porque naquela época se praticava a escravidão ou outra prática inaceitável nos dias atuais.
Exemplos:
- a poligamia de alguns famosos personagens bíblicos do Antigo Testamento.
- a escravidão era uma prática generalizada tanto entre povos europeus na América quanto entre os próprios reinos africanos nos séculos XVI e XVII...a escravidão estava na lei...não havia ideais de liberdade que só surgiriam e se expandiriam a partir do século XVIII.
-as conquistas de povos e territórios por outros povos ao longo de milhares de anos...ainda hoje assistimos essa prática ocorrendo em alguns lugares do mundo.

a) Tempo Cronológico: refere-se à contagem do tempo a partir de eventos marcantes para algumas civilizações. Esses eventos resultaram na criação de CALENDÁRIOS. Abaixo, temos dois dos mais famosos calendários são:
a) Gregoriano: também conhecido como cristão ou ocidental, é o calendário usado atualmente pela maioria dos países, incluindo o Brasil. Tem como base o nascimento de Jesus Cristo...sendo assim, a contagem do tempo é dividida em antes e depois de Cristo.
b) Judaico ou Hebraico: tem como base a criação do mundo de acordo com a tradição religiosa. Em 2024, o calendário hebraico corresponde aos anos 5784 e 5785; o ano 5784 começou no dia 15 de setembro de 2023 e termina no dia 2 de outubro de 2024.

b) Tempo Histórico: tem como base os eventos considerados mais importantes para a história de cada povo, os quais são adotados como datas comemorativas. Exemplos:
a) Independência do Brasil: 07 de setembro
b) Revolução Francesa: 14 de Julho
c) Independência dos EUA: 04 de Julho

c) Tempo de Natureza: é o tempo que alguns povos usam para orientar suas atividades produtivas e suas celebrações, através da observação do clima e das estações do ano... geralmente são povos isolados, nações indígenas.

d) Tempo de Fábrica: é o tempo mais utilizado no mundo, pois tem como base a hora, a carga horária para a realização de diversos tipos de atividades: aulas, treinamentos, trabalho, diversão, etc.

e) Tempo de Informática: é a modalidade mais recente de uso do tempo, o qual inovou a partir da dispensa da presença física dos envolvidos. O maior exemplo são as aulas, treinamentos e atividades realizadas à distância, sem a necessidade da presença física dos envolvidos. Pilotar drones militares, participar de conferências e realizar cirurgias à distância já é uma realidade.

f) Tempo de curta duração: refere-se a um evento que tem data para iniciar e terminar. Exemplos: As Olimpíadas e a Copa do mundo de futebol

g) Tempo de Média duração: são eventos que dependem de um contexto histórico tanto para iniciar quanto para terminar. Sua duração é variável. Exemplo:
- o processo da independência do Brasil, que levou 14 anos, tendo iniciado com a transferência da Corte em 1808 e terminado com o evento do "grito" de independência de Dom Pedro às margens do riacho do Ipiranga, em 1822.

i) Tempo de Longa Duração: são eventos históricos tão comuns que já se incorporaram ao cotidiano da vida de um povo. Exemplos:
- a república, nos países que são republicanos
- o cristianismo, nos países que são cristãos
- a monarquia, nos países que são monárquicos
- o islamismo, nos países que são islâmicos.

Observação importante: para não haver confusão, é preciso distinguir os eventos de longa e média duração:
exemplos:
- a república brasileira é um evento de longa duração, entretanto, o processo do golpe que implantou a república é um evento de média duração
- o Brasil independente é um evento de longa duração, entretanto, o processo da independência é um evento de média duração.

Exercícios
01 -
diante de um evento histórico, o papel do historiador deve ser o de chegar a uma definição. Essa definição deve ser concluída tendo como base
a) a pesquisa de diversas opiniões sobre o assunto
b) a criação de uma opinião própria
c) a busca e análise dos fatos
d) aconclusão antecipada
e) abcd estão incorretas

02 - Sobre conceitos e atribuições da história, analise as afirmações e assinale a correta

a) está voltada preferencialmente para o estudo dos grandes fatos políticos, com destaque para a biografia dos governantes.
b)
não há uma preocupação com a investigação dos eventos históricos, pois atualmente o mais importante é a compreensão global da história.
c) diferentemente do que ocorreu no século XX, a história atual procura ter um novo olhar crítico, desvinculado das demais ciências humanas.
d) O estudo das fontes e a crítica dos documentos são partes fundamentais do processo de produção historiográfica.
e) tudo pode e deve ser criticado o tempo todo, mesmo que sejam críticas anacrônicas, infundadas ou superficiais.

03 -
Analise os eventos abaixo e assinale os que se são classificados como de média duração:
a) Revolução Pernambucana de 1817 e as Olimpíadas
b) Independência do Brasil e a Copa do mundo de Futebol
c) II Guerra mundial e Independência do Brasil
d) O 11 de setembro e a independência do Brasil
e) a monarquia inglesa e a Revolução francesa

04 - Situação I: Ao conferirmos a hora para realizar nossas atividades, estamos usando o tempo cronológico.
Situação II: O tempo é algo maior do que um simples horário ou dia da semana...é também 
De acordo com as duas situações, podemos afirmar que
a) as duas nos falam sobre o tempo cronológico.
b) as duas nos falam sobre o tempo histórico.
c) a situação I trata do tempo histórico e a situação II do tempo cronológico.
d) a situação I trata do tempo cronológico e situação II do tempo histórico.
e) abcd estão incorretas

05 - A história, dentre outras utilidades, serve para compreender as experiências sociais, culturais, tecnológicas, políticas e econômicas vividas pelos povos ao longo do tempo. Sobre o papel que a história tem na formação da cidadania, assinale a alternativa correta.

a) seu ensino não apenas contribui para o desenvolvimento da consciência, mas dá suporte à construção da própria identidade do indivíduo.
b) sua principal importância está na criação de uma consciência coletiva de obediência cega do povo aos ditadores  comando de líderes populistas, demagogos, enganadores  e tomada do poder pelos ditadores às leis a fundamentação teórica que incita a obediência às leis foi a principal contribuição da história na formação cidadã.
c) A história, em uma visão contemporânea, passou a ter como prioridade o estudo do presente, dando ao passado um caráter arcaico e antiquado, dispensável à pesquisa histórica.
d) A história como ciência básica e fundamentalmente teórica incide de forma relativa e tênue nas atividades práticas da vida humana, tendo, portanto, neutralidade em relação à política.

06) Sobre a questão do Anacronismo na história, podemos afirmar que o correto é
a) estudar e interpretar o passado a partir dos nossos valores e conceitos atuais.

b) estudar o passado a partir de seu contexto cultural, político e social, mesmo não concordando, mas entendendo que eram tempos bem diferentes dos dias atuais
c)
ter uma visão atualizada do passado, mesmo sendo desconexa com o conjunto de valores e ideias daquela época
d) abc estão corretas
e) abc estão incorretas

07) É considerado como evento de Longa duração
a) o processo histórico da independência do Brasil
b) o golpe militar que implantou a república
c) o cristianismo no Brasil
d) abc estão corretas
e) abc estão incorretas

08) Sobre patrimônio cultural, assinale a alternativa FALSA:

a) A preservação da cultura de um povo depende da proteção que se dá ao seu patrimônio material e imaterial
b) A proteção da cultura material e imaterial depende exclusivamente dos governantes.
c) O patrimônio histórico é um legado deixado pelos mais velhos para as novas gerações.
d) O que determina se um bem cultural será ou não um patrimônio cultural são a sua importância e contribuição para a cultura e história de um povo.
e) abcd estão incorretas

09) Sob a definição de “patrimônio material” encontram-se:
a) as lendas, músicas, canções e narrativas.
b) as expressões e movimentos artísticos.
c) os instrumentos, objetos e vestimentas.
d) as técnicas de artesanato e saberes orais.
e) abcd estão incorretas

10) Sobre a utilidade da História, analise as afirmações e assinale a correta:
a) a história só tem utilidade na sala de aula
b) história é uma área do conhecimento que só é útil para fins educacionais
c) a história aplica-se a diversas áreas do conhecimento
d) a história não tem utilidade prática
e) abcd estão incorretas


quinta-feira, 16 de novembro de 2023

QUESTÕES SOBRE OS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL

 1 - INFANTICÍDIO INDÍGENA:

O infanticídio indígena consiste na prática do homicídio de crianças recém-nascidas nas tribos. Algumas vezes, as crianças mortas chegam a completar um ano ou mais. São abandonadas no mato, enterradas vivas ou têm seu corpinho queimado. Isso acontece quando nascem gêmeos, filhos de mães solteiras ou crianças indígenas com deficiência.

A prática do infanticídio indígena ainda é identificada em cerca de 18 etnias brasileiras, dentre as 305 que são reconhecidas. Por ser uma tradição milenar, é difícil traçar-lhe as origens.
As causas mais comuns do infanticídio são:
    Adultério ou filho de mãe solteira;
    Incesto;
    Deficiência física (invalidez)
ou mental, incluindo até lábio leporino, o nascituro pode estar sujeito a ser abandonado na floresta, a ser queimado ou enterrado vivo. Os motivos, como apontam os indígenas que já se abriram sobre o tema, é que as crianças "defeituosas" podem prejudicar a preservação da cultura ou oferecer riscos à tribo. A invalidez é vista como um sinal de que o índio é incapaz de contribuir para a proteção e o sustento da comunidade, ou seja, sua "doença" é vista como um potencial risco para os demais membros.
    Filhos gêmeos: um deles seria portador do bem; o outro seria portador do mal; o pajé decidiria qual deles seria morto
    Falta de condições da família para criá-lo;
    Sexo indesejado do bebê;
    Controle populacional: Um exemplo é a comunidade dos Tapirapé. Os nativos acreditavam que era necessário manter a população em cerca de mil habitantes para não prejudicar o ecossistema. Nessa comunidade,  sempre que uma família recebia o quarto filho, ele era sacrificado para evitar o excessivo crescimento populacional.

Em muitos casos as mães desejam o filho, mas sofrem com a pressão dos outros membros da comunidade para “se livrar do problema”. Veja o depoimento do índio Paltu Kamayurá que relata o caso vivido por uma mãe: “Poxa, o pessoal enterrou nosso filho, agora nós só estamos com um. É muito triste, a gente não consegue esquecer”

Todas essas questões excluem o índio da comunidade.
No entanto, há casos em que a família deseja manter a criança, mas é a tribo que pressiona pelo abandono. Muitos têm de fugir para manter os filhos vivos.

A LEI MUWAJI (PROJETO DE LEI)
Em 2007, a indígena Muwaji Suruwaha matou sua filha por ter nascido com paralisia cerebral. O sacrifício foi feito segundo o costume do seu povo. O deputado Henrique Afonso do Partido Verde do Acre protocolou o Projeto de Lei 1.057 que criminaliza quem acoberta tal prática.
No entanto, os responsabilizados não seriam as mães ou as famílias, e sim os enfermeiros, missionários, membros da FUNAI que acompanham as tribos e não denunciam o ato. Como era esperado, a Lei Muwaji gerou muita discussão. Além disso, muitas das tribos que mantêm o costume de matar as crianças indesejadas estão nas regiões mais afastadas e de difícil acesso.
O projeto de lei foi importante para colocar o problema em debate, mas foi pouco eficaz em pensar soluções. Em 2010, a indígena jornalista Sandra Terena publicou seu documentário “Quebrando o Silêncio” que aumentou a consciência sobre a questão. Tendo entrevistado mais de 350 mães indígenas e documentado em diversas tribos a prática do homicídio infantil.
A jornalista, que é do povo Terena, reuniu relatos de parentes de vítimas, de missionários, de agressores e sobreviventes e expôs, de maneira extensa, o problema cultural do sacrifício das crianças. O filme foi lançado em Brasília, no dia 31/03, dia do Memorial dos Povos Indígenas. Sandra Terena também o exibiu em muitas tribos, suscitando o debate entre seus membros.
Em sete de dezembro de 2014, a Rede Globo no programa Fantástico exibiu uma reportagem completa sobre o tema. A Constituição, embora cite o respeito à cultura dos diversos povos indígenas, é clara quanto ao direito à vida, pois trata-se de seres humanos.
- o que deve prevalecer: a cultura ou a vida? a cultura está acima da vida humana?

O QUE DIZ A CONSTITUIÇÃO
Qual o posicionamento dos Tribunais acerca do infanticídio indígena?
O artigo 227 da Constituição afirma: “ é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, a saúde, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

O QUE DIZ O ECA
Tal direito, é reforçado ainda pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe no artigo 7º da Lei 8.069/90 o seguinte: “A criança e o adolescente têm direito à proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.

Os artigos presentes na lei não fazem distinção da origem da criança ou do adolescente, confere a todos o direito à vida e ao crescimento saudável e digno.

Mas é aqui que mora o problema:
Em 2004, o Brasil, por meio do Decreto 5.051, ratificou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que reconhece e legitima aos indígenas seus direitos permanentes.
Com isso, podem viver conforme seus usos e costumes, amparados pelo respeito à cultura e ao direito consuetudinário dos povos.
Segundo a convenção, seria legítimo o assassinato de crianças por fazer parte do direito tradicional desse povo.

Porém, o parágrafo 2º do 8º artigo prevê: 
    “2. Esses povos deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Sempre que for necessário, deverão ser estabelecidos procedimentos para solucionar os conflitos que possam surgir na aplicação desse princípio”.

A prática do infanticídio indígena, portanto, fere os direitos previstos na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e nos diversos acordos internacionais que se referem ao direito à vida, dos quais o Brasil é signatário
.

A discussão, portanto, encontra seu conflito na seguinte questão:

    O que prevalece é o direito individual à vida ou o direito comunitário dos indígenas de manterem seus costumes?

RELATIVISMO CULTURAL  OU MULTICULTURALISMO

Alguns grupos tentam defender que as práticas milenares das comunidades indígenas devem ser respeitadas. Termos como infanticídio são, inclusive, vistos como preconceituosos e discriminatórios. Defendem aliás que o multiculturalismo deve ser preservado como forma de respeito ao direito das minorias. Portanto, o relativismo cultural é a chave para a defesa de práticas que não condizem com os direitos firmados na Constituição.

As comunidades que continuam praticando o assassinato de crianças recebem o amparo de ativistas da causa indígena, os quais alegam que a cultura é relativa. Logo, o que é visto como um crime e um atentado à vida para os brasileiros, pode ser aceito pelos índios.
Assim, o debate dessa questão estagnou completamente no Brasil. Não há uma decisão jurídica final quanto ao que prevalece: o direito individual ou o relativismo cultural. Mesmo com os tratados e convenções assinados que apontam que as expressões culturais devem respeitar os direitos fundamentais, o debate segue emperrado.

Já os grupos e associações contrários a essa prática apontam que é um problema similar ao que ocorre na África, onde, em algumas comunidades, as mulheres são vítimas de mutilação genital, parte da cultura local.

Enquanto isso, doenças simples que já são gratuitamente tratadas pelo Estado brasileiro, via SUS, continuam sendo a causa de morte de várias crianças.

Segundo dados da FUNAI, 305 etnias indígenas habitam o território brasileiro nas cinco regiões do país. De todas elas, em pelo menos 18 pode ser identificada a prática do infanticídio indígena:

    Yanomami;
    Kamayurá;
    Uaiuai;
    Bororo;
    Tapirapé;
    Ticuna;
    Amondaua;
    Eru-eu-uau-uau;
    Suruwaha;
    Arawá;
    Mehinaco;
    Jarawara;
    Jeminawa;
    Waurá;
    Kuikuro;
    Parintintim;
    Paracanã;
    Kajabi.

De acordo com o último censo brasileiro em 2010, a população indígena é de 815 mil, espalhados por aldeias em todo o território, totalizando cerca de 0,4% da população.

Apesar de não serem números tão expressivos, a prática do sacrifício de crianças já foi responsável pela elevação do índice da violência em um estado brasileiro.

Em 2014, o Ministério da Justiça elaborou o chamado “Mapa da Violência” onde traçou as cidades mais perigosas e com os piores números de violência.

No estado de Roraima estava a cidade mais violenta do Brasil, segundo os dados coletados: uma cidadezinha de 19.000 habitantes chamada Caracaraí.

Em apenas um ano foram registrados 42 assassinatos.

A posição alta no mapa se refere a proporção do número de mortes por habitantes. Taxas médias de 10 homicídios para cem mil habitantes são consideradas epidêmicas. Além do fato de a cidade ter registrado apenas sete em 2011, ano anterior.

O Secretário de Segurança Pública de Roraima da época, Amadeu Soares, explicou o problema em uma entrevista ao Fantástico:

    “Foi o ano em que a Secretaria Especial começou a fazer o trabalho de registro desses infanticídios.”

Uma pesquisa, conduzida pela Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais, constatou que no ano de 2012 houve 42 assassinatos na cidade de Caracaraí. Destes, 37 foram infanticídios indígenas.

O Secretário ainda apontou um fator delicado. Expôs que antes disso tais dados eram maquiados e catalogados como mortes por outras doenças. Isso demonstra que o problema é conhecido há muito tempo e, igualmente, acobertado.
Apesar do silêncio, há grupos, associações e pessoas engajadas em combater o homicídio de crianças indígenas. Associações que combatem o sacrifício humano dos indígenas.
infanticidio-indigena-no-Brasil

Kakatsa Kamayurá foi um índio do povo Kamayurá que sobreviveu ao abandono de seus pais.
Após sua mãe ter dado à luz, seu pai não reconhecia a legitimidade do filho e forçou a mãe a abandoná-lo na floresta para que morresse. Ele chegou a ser enterrado vivo em um local distante da tribo, mas uma anciã o resgatou. A anciã alegava que por ser um homem saudável, poderia no futuro contribuir com as necessidades da tribo, na caça e na defesa do território.
Assim, Kakatsa Kamayurá foi salvo do infanticídio indígena. Quando cresceu resolveu sair de sua tribo e dedicar sua vida a combater a condenação de outras crianças.

Sua luta deu origem ao Projeto Tekonoe. Nas palavras do fundador:
    “A vida de nossas crianças é mais importante do que a cultura”.
Em entrevista, o fundador já relatou ter salvado muitas crianças, mas lamenta ter sido incapaz de salvar tantas outras que foram vítimas do sacrifício.
Outra importante associação que se mobiliza nesta luta é a Atini, que significa em português “a voz pela vida”. Sua ação se baseia, segundo seu site, em:
    Promover a conscientização e a sensibilização da sociedade sobre a questão do infanticídio de crianças indígenas, abordando o assunto nos mais diversos meios de comunicação, produzindo e distribuindo material informativo, promovendo ou participando de eventos culturais, seminários e palestras em universidades, igrejas, escolas, empresas etc.
    Prevenir o infanticídio junto às comunidades e profissionais atuantes em áreas indígenas, produzindo e distribuindo material informativo, promovendo a conscientização sobre os direitos humanos e direitos das crianças.
    Assistir crianças em risco de infanticídio ou sobreviventes, e seus familiares. Atualmente, a Atini apoia crianças de várias etnias.
É responsável também pela publicação, em 2006, da cartilha “O Direito de Viver”, e em 2007 a revista “Quebrando o silêncio — um debate sobre o infanticídio nas comunidades indígenas do Brasil”.

O trabalho dessas associações permite conhecer histórias como a da índia Kanhu Raká, do povo Kamayurá, do Parque Indígena Xingu.

Kanhu Raká foi a primeira filha de um casal da tribo, nasceu sem nenhum problema aparente e foi aceita. Ainda nova, apresentou dificuldades para caminhar, ficar em pé e até ficar incapaz de se locomover sozinha. Ela nasceu com distrofia muscular progressiva na região da cintura, uma doença que  aos poucos se manifestava e comprometia-lhe os movimentos lentamente. Por terem identificado tardiamente sua doença, apenas aos 4 anos, ela escaparia do sacrifício. No entanto, passaria a viver reclusa e excluída de toda a comunidade, uma espécie de morte social.

A família foi obrigada a conviver com o preconceito do restante da tribo, que via o abandono como a melhor saída para o problema. Foi quando os avós a levaram a uma equipe da Atini que visitava a região na época e a família se mudou com Kanhu buscando para ela uma melhor qualidade de vida. A Atini os levou para Brasília, onde pôde fazer o tratamento adequado. Depois, ela e a família se reintegraram à tribo.
Muitos dos motivos que condenam as crianças indígenas já possuem tratamento gratuito oferecido pelo Estado brasileiro.

O DIREITO À VIDA ESTÁ ACIMA DE QUALQUER COSTUME, TRADIÇÃO, ETC.
-O direito à vida é considerado um dos direitos humanos fundamentais. O infanticídio viola esse direito, negando às crianças o princípio básico de dignidade e respeito.
-
Combater o infanticídio significa promover alternativas humanitárias. Em vez de tirar a vida de uma criança, a sociedade pode buscar soluções que respeitem a vida e o bem-estar da criança, como programas de apoio, assistência médica e educação.
-
É possível respeitar e preservar a diversidade cultural sem comprometer direitos humanos fundamentais. Isso implica encontrar maneiras de conciliar práticas culturais específicas com o respeito à vida e ao desenvolvimento das crianças.
- Como conciliar a cultura com o direito à vida?
a) através da promoção da Igualdade de Gênero:
Em alguns casos, o infanticídio é praticado com base no gênero da criança (queriam um menino ou uma menina, mas o bebê era do sexo oposto). Combater essa prática exige a defesa da igualdade de gênero e a rejeição de práticas que discriminam o sexo da criança.
-Desenvolvimento Sustentável e Autonomia:
Culturas podem evoluir sem abandonar totalmente suas tradições. Promover o desenvolvimento sustentável e a autonomia dos grupos indígenas pode ajudar a encontrar soluções que respeitem os direitos das crianças sem necessariamente abolir completamente suas práticas culturais.
Diálogo Inter-Cultural: Ao abordar o infanticídio, é essencial adotar uma abordagem sensível à cultura, buscando entender as raízes e os contextos culturais, ao mesmo tempo em que se defende princípios éticos e direitos humanos básicos. A promoção de alternativas que respeitem a vida e a dignidade das crianças é fundamental nesse processo.



2 - ÍNDIOS, ONGS E ESTADO PARALELO NA AMAZÔNIA: DENÚNCIA DOS INTERESSES ESTRANGEIROS NA AMAZÔNIA.
De acordo com o ex-deputado e estudioso da região Amazônica, Aldo Rebelo, a maioria das ONGs na região atuam como se fossem um "Estado paralelo de comando na região". O deputado afirmou também que a própria Funai praticamente transferiu suas atribuições para essas organizações estrangeiras.
Segundo Rebelo, as ONGs, juntamente com o crime organizado são verdadeiros "Estados paralelos ao governo brasileiro e ameaçam a soberania e o desenvolvimento da Amazônia".

—As ONGs estão praticamente governando a Amazônia. É um estado paralelo, contando com a omissão das instituições públicas, contando inclusive com o recém criado Ministério dos Povos Indígenas.
- 14% do território nacional está imobilizado em áreas indígenas, as áreas mais produtivas, mais ricas em minérios do país, que isso é por acaso? Não! Isso é planejado, profundamente planejado.
Aldo Rebelo também mencionou a biopirataria com produtos da floresta, o interesse na riqueza mineral e hídrica da região e as questões diplomáticas envolvendo os bens da Amazônia.

— Essas ONGs são apenas o instrumento. Os interesses que elas representam estão lá fora. Se alguém perguntar se isso não é teoria da conspiração, a história da Amazônia é uma história de conspiração. A Amazônia era cobiçada antes de ser conhecida.

De acordo com Aldo Rebelo, o Fundo Amazônia foi criado pelo Estado brasileiro e hoje é comandado pelas ONGs.

— O que é que tem lá na agenda para a destinação do Fundo? É só essa agenda global do meio ambiente. Mas a Amazônia, senhoras e senhores, é a região onde há os piores indicadores sociais do Brasil. Os maiores índices de mortalidade infantil. As maiores taxas de analfabetismo, de doenças infecciosas, o menor índice de fornecimento de serviços essenciais, como água tratada, luz elétrica, saneamento básico. Você anda nas ruas das cidades da Amazônia, não há saneamento. Há um centavo sequer destinado para esta finalidade, para dar saneamento básico? Não há um centavo. Para saúde? Não há um centavo. Pra desenvolver e elevar o padrão de vida as pessoas? Não. É exclusivamente para essa agenda de interesses internacionais — afirmou.

Para Aldo Rebelo, a maior conquista da CPI seria limitar a destinação dos recursos do Fundo Amazônia exclusivamente para órgãos públicos, como prefeituras, secretarias de estado, governo estadual e governo federal, sem acesso das ONGs.

— Creio que seria a maior conquista desta comissão de inquérito conceber uma "super emenda" que reunisse aquilo que na Constituição precisa ser alterado para valorizar o papel do Estado e limitar o papel das ONGs, e as normas infraconstitucionais também, todas elas. Todas elas, que são muitas, que tornam a Amazônia uma espécie de protetorado informal dessas ONGs e dessas instituições. Acho que esse seria o grande legado da comissão, além de expor o funcionamento, as teias de funcionamento dessas instituições.


3 - ONGS RICAS E ÍNDIOS NA MISÉRIA
A deputada federal Sílvia Waiãpi (PL-AP) repassou à CPI das ONGs, documentos tratando do financiamento do Instituto Iepé, uma ONG que atua junto a comunidades indígenas na Amazônia. Os documentos tratam do financiamento de diversos órgãos estrangeiros a esta ONG, que foram listados pela deputada.

— O Iepé recebe dinheiro das embaixadas da França e Noruega, da Comissão Europeia, da Agência Francesa de Desenvolvimento, da Fundação Ford, da Nature Conservancy, da Rainforest Foundation, da Fundação Gordon & Betty Moore, do Internews, Fundo Lira, do GLA (Green Livelihood Alliance), da Nature Conservancy, Talmapais Trust e outras organizações estrangeiras. A mesma ONG que impede os waiãpi de terem energia elétrica em sua comunidade — denunciou.

Durante sua intervenção, a deputada apresentou um depoimento gravado em vídeo de uma indígena waiãpi reclamando que o Iepé "não quer energia elétrica nem internet" na comunidade. Essa situação prejudica diretamente até mesmo o funcionamento regular de um posto de saúde situado na comunidade. A indígena do vídeo, que estava grávida, acabou perdendo a criança devido ao atendimento precário, segundo Sílvia Waiãpi.

No vídeo, a indígena anônima também reclama ter outros problemas de saúde, que acabam sem assistência adequada devido à falta de energia elétrica. Já Sílvia Waiãpi também relatou que recentemente uma sobrinha sua, que ainda mora na comunidade, teria morrido por falta de tratamento adequado. A deputada reclama que o Instituto Iepé, em conluio com agentes públicos, na prática impedem o desenvolvimento socioeconômico dos waiãpi, a pretexto de uma pretensa "preservação cultural".
Mais denúncias

Respondendo a perguntas do relator, senador Marcio Bittar (União-AC), Sílvia Waiãpi ainda disse que todos os funcionários do Iepé residem em cidades como São Paulo, "onde tem acesso aos confortos e aos planos de saúde" negados ao povo waiãpi. Ela criticou igualmente outras fundações estrangeiras, como a Fundação Ford, que segundo ela financiam viagens internacionais e, por conseguinte, a atuação política de lideranças indígenas para que critiquem o agro brasileiro e outras situações relacionadas ao Brasil em fóruns internacionais e nacionais.

Para o presidente da CPI, senador Plínio Valério (PSDB-AM), as ONGs só conseguem "tamanho poder" de influenciar diretamente as políticas públicas da região devido a um conluio com funcionários públicos. Uma aliança, segundo o senador, que estaria impedindo, por exemplo, a realização de obras de infraestrutura na região Norte, sob alegações preservacionistas. Plínio Valério também crê que o "conluio" visa reservar a exploração de riquezas minerais da Amazônia para o futuro, em detrimento do Brasil.

A LIGAÇÃO DAS ONGS COM O JUDICIÁRIO
— As ONGs só tem esse poder porque estão aliadas a partes do Judiciário. Tem sempre um desembargador, um ministro, um juiz pra conceder uma liminar pra qualquer ONG, se encontrar um caco de cerâmica, existente ou "plantado" na região, e paralisa (os trabalhos). Isso está ocorrendo por exemplo em regiões da Amazônia ricas em potássio — protestou.

O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) é outro a acreditar que o discurso preservacionista esconde "interesses estrangeiros" na exploração das riquezas da Amazônia. Sílvia Waiãpi concorda com a visão de que o financiamento estrangeiro a ONGs que atuam na região se daria por razões geopolíticas.

A deputada ainda questionou porque o aparato estatal mobilizado na repressão aos crimes ambientais não é replicado no combate a outros crimes. Sílvia observou que enquanto atividades agrícolas são reprimidas, o narcotráfico atua "livremente" na Amazônia. Por outro lado, as condições de miséria têm feito crescer a prostituição entre mulheres indígenas, assim como a venda de crianças indígenas ao crime organizado. Segundo ela, "crianças vendidas" serviriam até mesmo para práticas de "abusos sexuais" na Amazônia.

Sílvia Waiãpi classificou como "extremamente precária" a condição dos serviços de educação ao povo waiãpi. Ela mostrou mensagens de um grupo de whatsapp de pessoas que se cotizaram para comprar uma impressora para uma escola na comunidade.

— O Instituto Iepé recebe financiamento de poderosas organizações estrangeiras, mas não pode comprar uma impressora para uma escola waiãpi — lamentou a deputada.
Bolsonarista

AS DIFICULDADES DOS KORIPAKO
Plínio Valério exibiu vídeos enviados por indígenas koripako à CPI. Esses vídeos mostram as dificuldades dos indígenas, que têm se deslocar por até seis dias em embarcações precárias para que possam receber o Bolsa-Família em São Gabriel da Cachoeira (AM). Plínio Valério reclama que a atuação da ONG Instituto Socioambiental (ISA) tem impedido a construção de uma estrada de 16 kms que atenderiam os koripako em seus deslocamentos.

— Eles estão reivindicando uma estrada que teria 16 kms. Essa estrada evitaria toda essa epopeia aí, mas o ISA com a Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro) não deixam, alegando que não fazem parte da cultura indígena as estradas, as rodovias. O que faz parte da cultura indígena, segundo essa gente, é sofrer, é passar por essas cachoeiras perigosas com o maior problema. Não teria nenhum impacto ambiental uma estrada de 16 kms no meio de tanta floresta... Não teria nenhum impacto ambiental, mas teria um impacto social muito grande, seria o resgate da dignidade — criticou.

Plínio ainda relatou que é comum que os indígenas durmam ao relento quando estão em São Gabriel da Cachoeira. Por isso ele destinou parte de suas emendas parlamentares à construção de um centro de acolhimento aos koripako na cidade, cujas obras já se iniciaram.



4 - O QUE É SER ÍNDIGENA? Por Silvia Waiapi

O que faz com que eu seja indígena?
Usar o urucum? Pintar o meu rosto?
O que faz com que eu seja indígena? O meu DNA?
O que faz com que eu não sinta dor? alguns dirão: "Ela não é indígena".
Eu só seria se eu estivesse pintada de urucum, nua e falando mal o português.
Mas é assim que eles nos querem, é dessa forma que eles querem nos impedir de ter acesso ao desenvolvimento.
Nos acusarão de etnocídio só porque uma pessoa como eu também quis conquistar o mundo. E até quando nós seremos subjugados? Se é só assim que eu posso ser eu, respondam, senhores: eu só posso ser eu se eu estiver pintada de urucum? Eu só posso ser eu se eu estiver nua e dependendo da ajuda de alguém.

    
E, por falar em depender da ajuda de alguém,
eu trago a voz dos esquecidos,
daqueles que foram proibidos de ter acesso ao desenvolvimento,
daqueles que foram proibidos de ter acesso à saúde, à educação de qualidade.
Eu trago a voz daqueles que foram esquecidos no passado, lá em 1500, pessoas que querem ser tão bons quanto vocês, mas que foram impedidos,
porque o ideal imaginário nos condenou a viver no passado.


Se vocês fecharem os olhos agora e pensarem em um indígena...
Fechem os olhos, e eu desafio cada um de vocês...
Ninguém verá um indígena com uma beca, ninguém verá um indígena com um estetoscópio na mão. Vocês só conseguirão reproduzir em suas mentes uma pessoa desnuda, de cocar, carregando talvez uma caça, um arco e uma flecha, mas nunca, nunca com um estetoscópio na mão, nunca com um salto alto, porque o ideal imaginário implantado na mente de vocês nos negou e nos condenou a viver no passado.

A atuação de organizações não governamentais no Norte do Brasil, e eu falo especialmente do Estado do Amapá... O IEP é uma organização não governamental, fundado por uma antropóloga belga e que, durante anos, há mais de 40 anos, vem mantendo povos waiapi no passado, impedindo, inclusive, as crianças de falarem português...Esta organização recebe e tem a atuação de 22 instituições, e essas 22 instituições, muitas delas internacionais, financiam essa organização, e a única coisa que eles sabem fazer é impedir o povo de ter acesso ao desenvolvimento, e, por mais que você o tente, você será impedido, você será silenciado.

terça-feira, 14 de novembro de 2023

ASSUNTOS ECONÔMICOS: Burguesia, propriedade privada, estatais, revolução industrial, etc.

TEMA 1 - MARX CONCORDA COM ADAM SMITH
Karl Marx, fundador da ideologia marxista, sempre criticou a burguesia. Entretanto, o próprio
Marx, em seu livro O Capital, reconheceu a importância da classe burguesa, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento da produção industrial,  multiplicação da produção de mercadorias e seu barateamento.
Segundo o próprio Marx, a industrialização, impulsionada pelo espírito empreendedor da burguesia, resultou em
a) avanços tecnológicos
b) redução dos custos de produção
c) criação de métodos mais eficientes para produzir mercadorias em larga escala
d) Oferta de mercadorias com baixo preço, as quais tornaram-se acessíveis para os pobres

Marx, querendo ou não, concordou com o economista Adam Smith, considerado o pai da economia clássica liberal...Smith afirmava que a burguesia, ao buscar seus interesses próprios, contribuiu para o desenvolvimento das forças produtivas e o barateamento das mercadorias...ou seja, pensando em lucrar, a burguesia ao mesmo tempo oferecia melhores produtos com preços mais baixos.

Adam Smith argumentava que a busca individual pelo lucro beneficiava a sociedade: ao buscar maximizar seus próprios interesses, os empresários contribuiriam para o bem-estar geral, fornecendo mercadorias e serviços melhores e mais baratos.

TEMA 2 - A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E AS CRIANÇAS
Ao longo da história humana, sempre existiu o trabalho infantil, nos campos ou nas cidades, trabalhando na agricultura, pecuária, pesca, artesanato, etc...não era uma questão de maldade dos pais, mas sim de necessidade econômica. O que obrigou agricultores a colocar seus filhos para trabalhar foi o fato de que, como a produtividade era baixa, tais pessoas simplesmente tinham de trabalhar 70-80 horas por semana se quisessem produzir o suficiente para comer.

Durante todo esse longo tempo, o trabalho infantil passou despercebido. Foi o capitalismo e a acumulação de capital gerada pelo capitalismo quem permitiu o desaparecimento do trabalho infantil entre as massas pela primeira vez na história da humanidade, a partir do momento em que o tornou mais visível ao movê-lo do campo para as fábricas. Só no final do século XVIII e durante o século XIX, com o advento da Revolução Industrial é que o mundo despertou para a necessidade de criar regras de proteção para as crianças
Por que isso só aconteceu com a chegada da Revolução industrial?
a)as fábricas localizavam-se geralmente nas cidades, no meio urbano, onde o trabalho infantil ganhou a visibilidade que não tinha no mundo rural
b)já havia imprensa livre na Inglaterra, e essa imprensa passou a divulgar o problema de crianças que não iam à escola e passavam o dia trabalhando em ambientes perigosos, insalubres e em longas jornadas de trabalho. 
Foi o capitalismo o meio necessário para que as autoridades se movessem e passassem a tomar medidas para mudar a situação das crianças. Ainda hoje, em países menos capitalistas, as crianças sofrem com essa situação de ter de trabalhar em vez de estudar.

TEMA 3 - PRODUZINDO EM MASSA PARA AS MASSAS
O capitalismo não é simplesmente produção em massa, mas sim produção em massa para satisfazer as necessidades das massas.  O artesanato e o trabalho manual dos velhos tempos eram voltados quase que exclusivamente para os desejos dos abastados.  E então surgiram as fábricas e começou-se a produzir bens baratos para a multidão.  Todas as fábricas primitivas foram concebidas para servir às massas, a mesma camada social que trabalhava nas fábricas. 
-os pobres passaram a ter acesso a uma quantidade maior de roupas e sapatos, algo que antes era inimaginável...
-antigamente,
ter apenas dois pares de roupas por ano era uma realidade para muitos, e a necessidade de economizar era uma prática recorrente...
-Os tecidos eram caros, e as pessoas frequentemente reciclavam ou reaproveitavam tecidos existentes para criar novas roupas. Isso incluía desmanchar roupas antigas para usar o tecido em novas peças.
os próprios tecidos usados eram reaproveitados devido à dificuldade e o custo de se produzir e comprar.
- Uniformidade e Simplicidade: A moda era algo destinado apenas para os ricos...não havia moda para os pobres...as roupas tinham que ser bem simples, práticas e duráveis, muitas vezes refletindo as condições de trabalho e o estilo de vida das pessoas.
- Com a industrialização, a produção em massa de roupas tornou-se possível, proporcionando uma maior disponibilidade e variedade de vestuário para as pessoas.

TEMA 4:  A PROPRIEDADE PRIVADA
Na história humana, a propriedade surgiu antes do Estado e do Direito. O Estado e o Direito surgiram para, entre outras coisas, regulamentar e garantir o direito à propriedade.

O princípio da propriedade privada serviu de base para o progresso e desenvolvimento das civilizações ao longo da história, resultando em aperfeiçoamento, inovação, diversificação, produção em massa, eficiência, etc.

A PROPRIEDADE PRIVADA PROPORCIONA:
a) Incentivo à Inovação: Quando os indivíduos têm o direito e a liberdade de agir, de criar, de inventar e de colher os benefícios de suas ideias e esforços, são motivados a buscar soluções criativas e aprimorar produtos e serviços.

b) Eficiência na Alocação de Recursos: os recursos (dinheiro, bens móveis, bens imóveis, equipamentos, máquinas, etc.), são alocados com base na demanda e na oferta do mercado. Isso incentiva a produção eficiente e a utilização racional dos recursos.

c) Geração de Riqueza: Ao permitir que os indivíduos acumulem propriedades e recursos, O Estado cria um ambiente propício para o investimento, o crescimento econômico e a melhoria do padrão de vida.

d) Proteção dos Direitos Individuais: O direito de possuir propriedade é fundamental para a liberdade individual, permitindo que as pessoas controlem seu próprio destino e tomem decisões autônomas.

e) Estímulo ao Empreendedorismo: fornece aos empreendedores (e aos que querem ser) a motivação para investir, assumir riscos e buscar oportunidades de negócios. A perspectiva de colher recompensas pessoais incentiva a inovação e o crescimento econômico.

f) Desenvolvimento de Mercados Competitivos: A competição entre proprietários individuais e empresas impulsiona a eficiência, a redução de preços e a melhoria da  qualidade dos produtos e serviços.

g) Responsabilidade e Manutenção:
Quando as pessoas são donas de suas propriedades, elas geralmente são levadas a cuidar e zelar, sabendo que é uma parte importante de seu empreendimento o devido cuidado, inclusive com relação ao meio ambiente.

h) Diversidade e Escolha: há uma ampla gama de produtos, serviços e opções disponíveis para atender às diferentes preferências e necessidades individuais. Quanto mais empresas privadas existirem, mais oportunidades de escolha, mais aprimoramento, mais oferta de mercadorias e serviços de melhor qualidade.

TEMA 5: O FIM DA PROPRIEDADE PRIVADA NA DITADURA SOCIALISTA
Em outubro de 1917, os Bolcheviques e Sovietes tomaram o poder através de um golpe.
As consequências foram as seguintes:
- tomaram todas as propriedades privadas: casas, terrenos, fábricas, lojas, fazendas, etc.
- prenderam e executaram os burgueses (empresários grandes, médios e pequenos foram presos e eliminados) e os nobres.
-As empresas privadas russas foram estatizadas
-As empresas privadas estrangeiras foram nacionalizadas e estatizadas
- A propriedade e o controle das empresas passaram a ser do governo soviético
- Na prática, passaram para o controle da ELITE DO PARTIDO COMUNISTA, O QUAL ERA O ÚNICO PARTIDO, POIS OS DEMAIS TINHAM SIDO FECHADOS).
- O Estado soviético nomeou gerentes para administrar as empresas, os quais eram na maioria dos casos apenas membros do partido comunista, sem nenhuma experiência e competência para administrar estas empresas.
-Embora a intenção fosse eliminar a elite burguesa, o que aconteceu foi substituição por uma elite burocrática. Funcionários do partido comunista, burocratas estatais e gestores designados passaram a ter um papel significativo no controle e na tomada de decisões econômicas.
-Isso resultou de maneira geral em fracasso, pois não havia mais o objetivo do lucro, nem havia mais concorrência, nem interesse em melhorar, inovar, melhorar o atendimento, qualidade, etc.  O modelo econômico soviético foi marcado por uma mistura de realizações e limitações ao longo de sua existência.

TEMA 6: A SITUAÇÃO DAS RESIDÊNCIAS NO SOCIALISMO - O FALSO DISCURSO DA IGUALDADE
Na ditadura soviética (e em outros países onde o socialismo foi implantado), todas as residências, grandes ou pequenas passaram a pertencer ao Estado (na prática ao Partido Comunista). Eram os burocratas designados pelo Partido que decidiam quem iria morar em cada residência. Criou-se um gigantes aparato burocrático onde os amigos dos burocratas tinham privilégios, enquanto a maioria sofria dividindo uma casa com mais duas ou três famílias.
Na prática, várias famílias compartilhavam os mesmos espaços de moradia. Era comum uma casa ter três fogões. Essa situação era especialmente comum em áreas urbanas, onde a demanda por moradias excedia a oferta. Várias famílias foram alocadas para residências anteriormente pertencentes a uma única família, e apartamentos eram frequentemente compartilhados entre diferentes núcleos familiares.

A prática de várias famílias compartilhando uma única residência tornou-se uma realidade comum durante esse período.
Entretanto, a elite do Partido Comunista, que defendia o ideal de igualdade, na prática, era hipócrita, pois ocuparam as melhores residências, os palácios, os palacetes, as casas de campo, etc.
Isso criou uma nova elite burocrática que substituiu a antiga elite burguesa e nobiliárquica.
O que mais se viu foi a contradição entre o discurso de igualdade e a realidade da concentração de poder e privilégios nas mãos da Elite do Partido Comunista.

TEMA 7:  EMPRESA PRIVADA X EMPRESA ESTATAL
A- EFICIÊNCIA ECONÔMICA:
Empresa Privada:
Geralmente, são orientadas para o lucro, o qual só é obtido mediante a eficiência, inovação e bom atendimento do consumidor em um ambiente de concorrência elevada. A pressão da concorrência muitas vezes leva a uma busca por eficiência operacional e maximização de resultados financeiros.

Empresa Estatal: não enfrentam desafios de eficiência por não terem preocupações com eficiência, inovação, etc. Não sofrem a pressão da concorrência e da geração de lucros. A falta de incentivos para maximizar os lucros pode levar a práticas menos eficientes.

B- FLEXIBILIDADE E AGILIDADE:
Empresa Privada: A flexibilidade para se adaptar rapidamente às mudanças nas condições de mercado é uma característica comum em empresas privadas. A tomada de decisões ágil e a capacidade de reestruturar operações rapidamente são vantagens associadas a esse setor.
Empresa Estatal: De maneira geral, estão subordinas à burocracia estatal e aos interesses políticos dos governantes. Seus processos de tomada de decisão são mais lentos, o que pode afetar a capacidade de resposta a mudanças rápidas no ambiente de negócios.

C- INOVAÇÃO
Empresa Privada: A concorrência impulsiona a inovação, a eficiência e a redução de custos para que possam sobreviver e continuar gerando emprego e renda.  Há um incentivo claro para desenvolver novos produtos e serviços para atender às demandas do mercado.
Empresa Estatal: De maneira geral, o interesse em inovar é menor devido à falta de concorrência, embora isso não signifique que não exista. Exemplo:
- A NASA (lembrando que a legislação americana é bem diferente da nossa, ou seja, a estabilidade para funcionários públicos existe, mas é bem menor se comparada com a do Brasil).  No entanto, em alguns casos, setores estratégicos em empresas estatais podem receber investimentos específicos em pesquisa e desenvolvimento.
 
D- QUALIDADE DO SERVIÇO:
 Empresa Privada: de maneira geral buscam fornecer serviços de alta qualidade para atrair e manter clientes. A reputação e a satisfação do cliente são vitais para o sucesso a longo prazo.
Além da concorrência, muitas empresas possuem programas de bonificação em dinheiro para os funcionários que cumprirem metas definidas pela direção.
Empresa Estatal: No passado, a fama do funcionário público era a de que era preguiçoso, não trabalhava e quando assim fazia, atendia de má vontade. De maneira geral, a qualidade do serviço público pode variar e depende muitas vezes do interesse e dedicação do funcionário.
Sendo assim, há, de maneira geral, menos qualidade no atendimento ao público. Exemplos:
-buracos abertos por empresas de saneamento que levam muito tempo para serem fechados, prejudicando o trânsito e gerando longas filas de veículos
-limpeza pública precária (boa parte da culpa também é da má educação do povo)
-falta de saneamento e fornecimento precário de água potável em muitas residências
-pouca iluminação das ruas e praças, aumentando a sensação de insegurança
-professores desinteressados, preguiçosos, etc.
Copiando o setor privado, algumas estatais e repartições públicas também criaram programas de metas e índices para melhorar a qualidade, interesse, inovação, etc., retribuindo com prêmios em dinheiro.

E- RESPONSABILIDADE FINANCEIRA
Empresa Privada: é essencial para a sua sobrevivência, pois estão sujeitas tanto à pressão dos acionistas (no caso de empresas de grande porte) quanto ao risco de falência. Para se manter viva, a empresa necessita de severa disciplina dos recursos financeiros, procurando  constantemente reduzir custos ao mesmo tempo em que deve manter a qualidade, a inovação e o bom ambiente de trabalho, para que seus funcionários trabalhem satisfeitos na medida do que for possível.
Empresa Estatal: de maneira geral, a preocupação com as finanças se limita apenas a cumprir a burocracia e prestar contas de maneira correta, uma vez que não existe a questão do lucro; a entrada de dinheiro não vem diretamente dos consumidores, mas dos impostos pagos por eles.

F- ATENDIMENTO AOS INTERESSES PÚBLICOS:
Empresa Privada: Seu foco principal é atender
a) ao consumidor, ou seja, ao público, sem o qual não há venda, nem lucro, nem salário, nem emprego, nem empresa.
b) aos acionistas (no caso de grandes empresas) o atendimento aos interesses dos acionistas (que podem ser ou não grandes investidores).
Empresa Estatal:
No Brasil, há uma forte relação dessas empresas com os governantes e os partidos políticos. Essa relação envolve diversos fatores políticos, econômicos e sociais.

TEMA 8: INTERESSE DOS GOVERNANTES E PARTIDOS POLÍTICOS EM MANTER EMPRESAS ESTATAIS

   
a) Recursos e Orçamento: Algumas estatais (ex: a Petrobrás) controla um gigantesco orçamento e possui recursos valiosos. O controle político sobre essas empresas oferece aos partidos a oportunidade de direcionar investimentos, projetos e gastos de acordo com suas prioridades políticas e programas, os quais podem envolver corrupção, cujo maior exemplo foi o Petrolão.
b) Distribuição de Empregos: Empresas estatais frequentemente têm grande número de funcionários, fato que atrai a cobiça dos partidos e dos políticos para nomear seus aliados políticos e seus amigos. Muitas nomeações não levam em conta a qualificação técnica para o cargo, ou seja, nomeiam-se pessoas despreparadas e incompetentes, com salários altíssimos e privilégios.
c) Captura de Recursos: são oportunidades para a captura (desvio) de dinheiro público, através da manipulação de contratos, licitações e outras transações para beneficiar interesses específicos, incluindo empresas próximas aos partidos políticos.
d) Base de Apoio Eleitoral: pode contribuir para a construção de uma base de apoio eleitoral. Ao canalizar benefícios, como empregos e projetos de desenvolvimento para regiões específicas, os partidos podem ganhar apoio político nessas áreas.
e) Financiamento de Campanhas: as estatais podem ser uma fonte de financiamento para campanhas políticas. O controle político sobre essas empresas pode influenciar o uso do dinheiro desviado para o financiamento dos partidos e das campanhas.
f) Influência sobre Setores Estratégicos: O controle político sobre essas empresas permite que os partidos exerçam influência sobre áreas cruciais para o desenvolvimento econômico.
g) Influência sobre Órgãos de Controle e Fiscalização: órgãos de controle e fiscalização nem sempre atuam sobre empresas e repartições públicas, pois são governadas pelo mesmo grupo político. Exemplo: escolas públicas e outras repartições passam a funcionar sem precisar cumprir as diversas exigências que o Corpo de Bombeiros exige de empresas privadas.




quarta-feira, 1 de novembro de 2023

A VINDA DA FAMÍLIA REAL / PERÍODO JOANINO


Foi um evento que mudou a história brasileira, provocando um processo histórico que provocou a independência, apenas 14 anos após a chegada da corte. 
Causas da vinda da família real e da corte lusitana para o Brasil:

O BLOQUEIO CONTINENTAL:
Foi uma proibição imposta por Napoleão contra a Inglaterra, a qual consistia na proibição de todo e qualquer negócio das nações europeias com os ingleses. O objetivo era quebrar o poderio econômico britânico (país que foi pioneiro na revolução industrial) e deixar o caminho livre para favorecer a economia francesa, que dava seus primeiros passos no processo da revolução industrial. Qualquer país que desobedecesse ao bloqueio seria invadido pelo exército francês, o qual parecia invencível em terra. Entretanto, no mar a marinha inglesa era quase imbatível, fato comprovado pela sua vitória contra as esquadras Franco-espanhola na Batalha de Trafalgar em 21 de outubro em 1805.
Decidido a quebrar a economia inglesa, Napoleão impôs à Europa o bloqueio em 21 de novembro de 1806. Qualquer país que abrisse os portos ou negociasse com os
ingleses seria considerado inimigo da França e dos seus aliados.

PORTUGAL E A DEMORA PARA RESPONDER A NAPOLEÃO:
Portugal ficou no meio do fogo cruzado entre as duas potências, mas sendo um antigo aliado dos ingleses (
os dois países mantêm até hoje a mais antiga aliança diplomática do mundo, o Tratado de Windsor de nove de maio de 1386), tentava ganhar tempo para assim tomar uma  decisão. Irritado com a demora, Napoleão deu um prazo limite: a partir de setembro de 1807, Portugal deveria fechar seus portos aos ingleses, além de prender e tomar os bens dos britânicos que residissem no país. Caso discordasse, o pequeno reino seria invadido.
O que estava ruim ficou pior, pois em outubro de 1807, França e Espanha assinaram o Tratado de Fontainebleau, o qual varria Portugal do mapa e repartia suas colônias entre espanhóis e franceses. Furioso pela demora portuguesa, Napoleão ordenou a invasão de Portugal.
O ANTIGO PROJETO DE TRANSFERÊNCIA
Sabendo que seria invadido, Dom João resolveu pôr em prática um antigo projeto do século     XVII, que transferia sede do reino português para o Brasil. O que mais empolgava nessa ideia era o contraste entre o gigantesco território brasileiro e o minúsculo território português. Em outubro de 1807 a diplomacia luso-britânica fechou um acordo secreto que consistia na ajuda militar inglesa tanto na transferência da corte para o Brasil quanto no auxílio militar ao exército português contra a invasão francesa. Em contrapartida, Portugal facilitaria o comércio inglês no Brasil, abrindo os portos. 
- O que aconteceria se a corte portuguesa não fugisse para o Brasil? partindo do princípio de que as forças armadas portuguesas eram pequenas e que a ajuda britânica não viria de imediato, o que provavelmente aconteceria seria a prisão da família real e a repartição de Portugal e de suas colônias entre franceses e espanhóis.
- O que aconteceria se Portugal aderisse ao Bloqueio? A Inglaterra consideraria Portugal como  inimigo, podendo bombardear seus portos e anexar partes da colônia brasileira ou de colônias na África.
A CHEGADA AO BRASIL E O INÍCIO DAS MUDANÇAS
No dia 20 de novembro de 1807, a esquadra lusitana partiu de Lisboa. Em 22 de janeiro de 1808, uma tempestade teria separado uma parte da Esquadra, a qual foi parar na Bahia. Segundo pesquisas mais recentes, não foi uma tempestade, mas foi o próprio príncipe Dom João que ordenou uma parada em Salvador por motivos políticos e econômicos.
Dom João permaneceu  34 dias na capital baiana onde decretou a abertura dos portos do Brasil às nações amigas... As consequências deste decreto foram:
a) Início da liberdade comercial no Brasil: os comerciantes locais poderiam negociar com qualquer país e não apenas com Portugal
b) A Inglaterra foi a mais beneficiada devido à menor taxação de importação de suas mercadorias.
c) os comerciantes portugueses foram ao longo do tempo perdendo o domínio comercial para os comerciantes ingleses

Durante sua estadia em Salvador, Dom João decretou também:
-a criação da escola de cirurgia da Bahia que seria o embrião da primeira faculdade de medicina do Brasil
- a autorização para o funcionamento de indústrias de vidro, pólvora, tabaco e colheita de algodão (Naquela época era proibido o funcionamento de qualquer atividade industrial que concorresse com atividades praticadas em Portugal). Esta autorização não logrou êxito de imediato e o Brasil levaria um bom tempo para começar um pequeno processo de início de industrialização, pois
era bem mais barato importar mercadorias do que tentar fabricar no Brasil. Importavam-se até caixões para defuntos.  Outros problemas da nossa economia eram:
a) sua base era agrária, extrativista e escravista, direcionada principalmente para a exportação de produtos primários.
b) baixíssimo nível educacional; não havia sequer uma faculdade
c) a falta de capital
d) as facilidades alfandegárias concedidas aos ingleses em troca da Ajuda militar.

Ao chegar ao Rio de Janeiro era necessário acomodar a enorme corte, algo em torno de 10 a 15 mil pessoas...em 1808, o Rio de Janeiro embora fosse a capital do vice-reino do Brasil e sua
maior cidade, tinha algo em torno de 46 ruas e 60 mil habitantes. Existia uma lei que
dava poder aos funcionários reais para confiscar qualquer prédio particular para acomodar a corte. É claro escolheram as melhores e mais bem localizadas casas, nas quais foi afixado o letreiro PR (Príncipe Regente)...o povo logo passou a traduzir como "Ponha-se na Rua" ou "Prédio Roubado"...

O TRATADO DE AMIZADE E ALIANÇA OU TRATADO DE 1810
Foi assinado entre Portugal e Inglaterra, através do qual ficou definido que:
a) Imposto cobrado sobre mercadorias importadas para o Brasil
- as mercadorias inglesas pagariam apenas 15%
- as mercadorias portuguesas pagariam 16%
- as mercadorias de outros países pagariam 24%
b) Direito de Extraterritorialidade: os ingleses que cometessem crimes em territórios portugueses (incluindo o Brasil) seriam julgados por juízes ingleses e conforme a lei inglesa;
c) Liberdade religiosa com alguma restrição para os ingleses protestantes no Brasil: eles não seriam perseguidos pela Inquisição. Seus locais de culto não poderiam ter aparência externa de templo e seus fiéis só poderiam cultuar em ambiente fechado.  Foi autorizada também a construção de cemitérios para os ingleses.
d) Em relação à escravidão, o tratado determinava que Portugal deveria abolir gradualmente ao tráfico de escravos. Ao mesmo tempo, os ingleses, que tinham abolido o tráfico em 1807, se davam ao direito de patrulhar o Atlântico em busca de navios considerados suspeitos de tráfico de escravos. Essa cláusula ficou no papel pois não foi cumprida no mundo real...o tráfico transatlântico só seria extinto em 1850.
POR QUE OS INGLESES LEVARAM VANTAGEM NO TRATADO
A explicação está no poderio econômico e militar britânico. Os ingleses exigiram o que quiseram e Portugal, em difícil situação, teve que aceitar.

O INÍCIO DA IMPRENSA (QUE AINDA NÃO ERA LIVRE)
Antes da presença da corte no Brasil, toda e qualquer impressão era realizada fora do país; era proibida a existência tanto de gráficas quanto de jornais, livros, panfletos ou editoras que não fossem as oficiais. Mesmo com a chegada da corte, ainda não havia liberdade de imprensa., pois o regime ainda era absolutista. Mesmo assim, o passou a ter uma imprensa nacional em 1808 através do Decreto que autorizou a imprensa régia em 13 de Maio de 1808. O primeiro jornal que circulou no Brasil foi o jornal oficial, a Gazeta do Rio de Janeiro cujo relator era o Frei Tibúrcio José da Rocha. Era um jornal bastante limitado, cobrindo apenas os atos do príncipe regente, algumas ocorrências do cotidiano da cidade e notícias do que acontecia na Europa.
O segundo jornal brasileiro, o Correio Braziliense, surgiu em agosto de 1808, mas de forma clandestina, era publicado em Londres através do jornalista brasileiro Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça. O jornal divulgava diversas ideias iluministas, questões políticas, econômicas e civis. O início da liberdade de imprensa no Brasil só ocorreria em 1821, após a Revolução Liberal do Porto.

AS MELHORIAS NO RIO DE JANEIRO
A capital do reino português foi beneficiada:
a) A Real Academia Militar
b) O Jardim Botânico
c) A Real fábrica de pólvora
d) O Banco do Brasil
e) O Laboratório Químico Prático
f) A Real Biblioteca
g) A Intendência Geral de Polícia, órgão que possuía diversas funções (policiamento das ruas, investigação de crimes, realização de obras públicas, etc.)

A ELEVAÇÃO DO BRASIL À CATEGORIA DE REINO
Após a prisão de Napoleão em 1814, as potências europeias se reuniram no Congresso de Viena (1815), com o objetivo de restaurar no poder as antigas monarquias europeias. Na questão de Portugal, o Congresso só reconhecia Lisboa como a sede do Governo, ou seja, era preciso que D. João e a corte voltassem para lá.
Entretanto, D. João e a corte estavam bem adaptados ao Brasil e não queriam retornar. A solução encontrada foi elevar o Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves, em 16 de dezembro de 1815. Essa medida, se por um lado agradou os brasileiros, por outro provocou uma enorme insatisfação em Portugal, pois via-se equiparado à sua Colônia e, mais ainda, ameaçado de perdê-la.

sábado, 16 de setembro de 2023

O IMPERIALISMO COLONIAL SOVIÉTICO

Este artigo de Zbigniew Kowalewski sobre o imperialismo russo foi publicado originalmente em novembro de 2014 no Le Monde diplomatique – edição polonesa.

Zbigniew Marcin Kowalewski 20 mar 2022, 12:00

Resumo: A restauração do capitalismo na Rússia complementou e substituiu em parte os monopólios extra-econômicos, enfraquecidos e amputados após a desintegração da União Soviética, por um poderoso monopólio financeiro fundido com o aparato estatal. O imperialismo russo, reconstruído nesta base, permanece um fenômeno intrinsecamente interno e externo; ele opera em ambos os lados das fronteiras do país, que estão novamente se tornando móveis. Não podemos compreender a atual crise ucraniana – a anexação da Crimeia, a rebelião separatista em Donbas e a agressão russa contra a Ucrânia – se não compreendermos que a Rússia continua sendo uma potência imperialista.


Sergey Nikolsky, um filósofo cultural russo, diz que talvez a ideia mais importante para os russos “desde a queda da Bizâncio até agora é a ideia de império e o fato de sermos uma nação imperial”. Sempre soubemos que vivemos em um país cuja história é uma cadeia ininterrupta de expansão territorial, conquista, anexação, defesa dos bens, perdas temporárias e novas conquistas. A ideia de império era uma das mais apreciadas em nossa bagagem ideológica e isto é o que proclamamos a outras nações. Com ela surpreendemos, encantamos ou enlouquecemos o resto do mundo”.

A primeira e mais importante característica do império russo sempre foi, diz Nikolsky, “a maximização da expansão territorial em nome de seus interesses econômicos e políticos, como um dos grandes princípios da política estatal”. [1] Esta expansão foi o resultado da predominância permanente e esmagadora do desenvolvimento extensivo da Rússia sobre seu desenvolvimento intensivo: a predominância da exploração absoluta dos produtores diretos sobre sua exploração relativa, ou seja, baseada no aumento da produtividade da mão-de-obra.

“O império russo foi chamado de ‘prisão dos povos’. Hoje sabemos que não é apenas o estado Romanov que merece esta descrição”, escreveu Mikhail Pokrovsky, o principal historiador bolchevique. Ele mostrou que o Grão-Ducado moscovita (1263-1547) e o Czarado russo (1547-1721) já eram “prisões de povos” e que esses estados foram construídos sobre os cadáveres dos inorodtsy, os povos indígenas não-russos. “É duvidoso que o fato de 80% do sangue que corre nas veias dos grandes russos seja seu sirva de consolo para os sobreviventes. Somente a destruição completa da opressão imperial russa por aquela força que lutou e ainda luta contra toda a opressão poderia ser uma forma de compensação por tudo o que eles sofreram”. [2] Estas palavras de Pokrovsky foram publicadas em 1933, pouco depois de sua morte e pouco antes da ordem de Stalin de substituir, na histórica formulação bolchevique de “Rússia – prisão dos povos”, a primeira palavra por uma diferente: czarismo. O regime stalinista apressou-se então a rotular o trabalho científico de Pokrovsky como uma “concepção anti-marxista” da história russa. [3]

Feudalismo militar imperialista

Ao longo dos séculos, até o colapso da União Soviética em 1991, os povos que foram conquistados e anexados pela Rússia sofreram três formas sucessivas de dominação imperialista. O “imperialismo militar feudal”, como Lenin o chamou, foi o primeiro. Não é sem interesse comentar qual foi o modo predominante de exploração naquele período: feudal ou tributária, ou, como prefere Yuri Semyonov, “politerária” [4]. Esta controvérsia é intensificada pela mais recente pesquisa de Alexander Etkind. Deles emerge que na realidade, os modos coloniais de exploração predominaram: “O império russo foi um grande sistema colonial tanto em suas fronteiras distantes como em suas sombrias profundezas, […] um império colonial como a Grã-Bretanha ou a Áustria, e um território colonizado como o Congo ou as Índias Ocidentais”, porque “ao expandir-se para espaços enormes, a Rússia colonizou seu próprio povo. Foi um processo de colonização interna, a colonização secundária de seu próprio território”.

É por isso, diz Etkind, que devemos “entender o imperialismo russo como um processo interno, não apenas externo” [5]. A escravidão lá era de caráter tão colonial quanto a escravidão negra na América do Norte, mas também afetava os grandes camponeses russos e outros que o czarismo considerava “russos”: os “pequenos russos” (ucranianos) e os “russos brancos” (bielorrussos). Etkind chama a atenção para o fato de que mesmo na Grande Rússia as revoltas camponesas eram de caráter anticolonial e que as guerras com as quais o império esmagou essas insurreições foram guerras coloniais. Paradoxalmente, o centro imperial da Rússia era ao mesmo tempo uma periferia colonial interna, dentro da qual a exploração e opressão das massas do povo era às vezes mais intensa do que em muitas periferias conquistadas e anexadas.

Quando “o imperialismo capitalista moderno” apareceu, Lênin escreveu que no império czarista ele estava “envolvido, por assim dizer, em uma rede particularmente densa de relações pré-capitalistas”, tão densa que “em geral, o imperialismo militar feudal predomina na Rússia”. Assim, ele escreveu, na Rússia “o monopólio do poder militar, do imenso território ou de instalações especiais para desapossar os povos indígenas não-russos, a China, etc., em parte complementa e em parte substitui o monopólio do capital financeiro mais moderno” [6]. Ao mesmo tempo, sendo o imperialismo das seis grandes potências menos desenvolvidas, não era mais do que um subimperialismo. Como Trotsky assinalou, “a Rússia pagou nesta moeda o direito de ser aliada dos países avançados, de importar seus capitais e de pagar juros sobre eles; ou seja, ela pagou, no fundo, o direito de ser uma colônia privilegiada de seus aliados e, ao mesmo tempo, de exercer sua pressão sobre a Turquia, Pérsia, Galiza, países mais fracos e mais atrasados do que ela mesma, e de saqueá-los. No fundo, o imperialismo da burguesia russa, com sua dupla face, nada mais era do que um agente mediador de outras potências mundiais mais poderosas”. [7]

Não há descolonização sem separação

Foram precisamente os poderosos monopólios extra-econômicos mencionados por Lenin que asseguraram a continuidade do imperialismo russo após a derrota o capitalismo na Rússia após a Revolução de Outubro. Ao contrário da afirmação anterior de Lênin de que a norma da revolução socialista seria a independência das colônias, na verdade somente se separam da Rússia as colônias que não foram alcançadas pela expansão da revolução ou aquelas que a rejeitaram. Em muitas regiões periféricas, esta expansão teve o caráter de uma “revolução colonial” liderada por colonos e soldados russos sem a participação dos povos oprimidos e mesmo mantendo de fato as relações coloniais existentes. Georgi Safarov descreveu um processo tal se experimentou na revolução no Turquestão [8]. Em outras regiões a revolução tomou a forma de conquista militar, e alguns bolcheviques, como Mikhail Tukhachevsky, improvisaram rapidamente uma teoria militarista de “revolução desde fora” [9].

A história da Rússia soviética desmente a tese dos bolcheviques de que, com a queda do capitalismo, as relações de domínio colonial de alguns povos sobre outros desapareceriam e que, consequentemente, esses povos poderiam, ou mesmo deveriam, permanecer dentro da estrutura de um único Estado. O “economismo imperialista”, que negou o direito dos povos à autodeterminação e que foi generalizado (embora criticado por Lenin) entre os bolcheviques russos, foi uma manifestação extrema deste fenômeno. Na realidade, é exatamente o contrário: a separação estatal de um povo oprimido é uma condição necessária para a destruição das relações coloniais, mesmo que não a garanta. Vasyl Shakhrai, um militante bolchevique da revolução ucraniana, entendeu isso já em 1918, quando polemizava publicamente com Lênin sobre esta questão[10]. Muitos outros comunistas não-russos também o entenderam na época, notadamente o líder da revolução tártara, Mirsaid Sultan-Galiyev, o primeiro comunista a ser afastado da vida política pública por ordem de Stalin em 1923.

Na realidade, o imperialismo baseado nos monopólios extra-econômicos acima mencionados se auto-reproduzia de muitas maneiras, espontânea e despercebida, mesmo quando perdia sua base especificamente capitalista. Assim, como mostraria Trotsky, nos anos 20 Stalin “tornou-se o vetor da opressão burocrática da Grão-Rússia” e rapidamente “obteve vantagens para o imperialismo burocrático da Grão-Rússia” [11]. Com o estabelecimento do regime estalinista, o domínio imperialista da Rússia foi restaurado sobre todos aqueles povos, anteriormente conquistados e colonizados, que permaneceram dentro das fronteiras da União Soviética, onde representavam metade da população, e sobre os novos protetorados, Mongólia e Tuva.

A ascensão do imperialismo burocrático

Esta restauração foi acompanhada de violência policial assassina e até mesmo de verdadeiros genocídios: o extermínio pela fome conhecido na Ucrânia pelo nome de Holodomor e no Cazaquistão pelo de Shasandy Asharshylyk (1932-1933). Os quadros indígenas bolcheviques e a intelligentsia foram exterminados e a russificação intensiva foi posta em marcha. Pequenas nações e minorias nacionais inteiras foram deportadas (a primeira grande deportação em 1937 foi a dos coreanos que viviam no Extremo Oriente soviético). O colonialismo interno se expandiu mais uma vez e “a mais terrível dessas práticas foi a exploração dos prisioneiros no Gulag, que pode ser chamada de forma extrema de colonização interna” [12]. Como na era czarista, a emigração da população russa e de língua russa para as periferias acalmou as tensões e as crises sócio-econômicas na Rússia, garantindo ao mesmo tempo a russificação das repúblicas periféricas. Superpovoado, empobrecido e atormentado pela fome após a coletivização forçada, o campo russo exportou mão-de-obra em massa para os novos centros industriais nas periferias da União Soviética. Ao mesmo tempo, as autoridades impediram a migração da população local não-russa do campo para as cidades.

A divisão colonial do trabalho distorceu e até retardou o desenvolvimento, e em alguns casos até transformou as repúblicas não russas e regiões periféricas em fontes de matérias-primas e zonas de monocultura. Foi acompanhada por uma divisão colonial entre cidade e campo, trabalho manual e intelectual, mão-de-obra qualificada e não qualificada, bem remunerada e mal remunerada, e uma estratificação igualmente colonial da burocracia estatal, da classe trabalhadora e de sociedades inteiras. Estas divisões e estratificações garantiram ao elemento etnicamente russo ou russificado uma posição social privilegiada com respeito ao acesso à renda, qualificações, prestígio e poder nas repúblicas periféricas. O reconhecimento da “russividade” étnica ou lingüística na forma de “salários públicos e psicológicos” – um conceito emprestado por David Roediger da W.E.B. Du Bois e aplicado em seus estudos sobre a classe trabalhadora americana branca [13] – tornou-se um importante meio de dominação imperialista russa ou a construção de uma “russividade” imperialista dentro da própria classe trabalhadora soviética.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o envolvimento da burocracia estalinista na luta por uma nova divisão do mundo foi uma extensão da política imperialista interna. No decorrer da guerra e depois que ela terminou, a União Soviética recuperou muito do que a Rússia havia perdido após a revolução e também conquistou novos territórios. Sua área territorial cresceu em 1,2 milhões de quilômetros quadrados, para 22,4 milhões de quilômetros quadrados. Após a guerra, o território da URSS era 700.000 quilômetros quadrados maior que o do império czarista quando estava prestes a ruir, e 1,3 milhões de quilômetros quadrados menor que o império no auge de sua expansão em 1866, logo após a conquista do Turquestão e pouco antes da venda do Alasca.

A luta por uma nova divisão do mundo

Na Europa, a União Soviética anexou as regiões ocidentais de Belarus e Ucrânia, Cárpatos-Ucrânia, Bessarábia, Lituânia, Letônia, Estônia, partes da Prússia Oriental e Finlândia, e na Ásia, Tuva e as Ilhas Kuril do sul. Ela passou a controlar toda a Europa Oriental e postulou que a Líbia deveria ficar sob sua tutela. Ela procurou impor um protetorado sobre duas grandes províncias fronteiriças chinesas, Xinyiang e Manchuria. Além disso, ele procurou anexar o norte do Irã e o leste da Turquia, com base no desejo de libertação e unificação de muitas nacionalidades locais. Segundo o historiador azerbaijanês Jamil Hasanli, a “guerra fria” começou na Ásia, não na Europa, em 1945 [14].

“O caráter parasitário da burocracia se manifesta, assim que as condições políticas permitem, sob a forma de pilhagem imperialista”, escreveu na época Jean van Heijenoort, ex-secretário de Trotsky e futuro historiador da lógica matemática. “O aparecimento de elementos do imperialismo implica que a teoria de que a URSS é um estado degenerado de trabalhadores tem que ser revista? Não necessariamente. A burocracia soviética é geralmente alimentada pela apropriação do trabalho de outros, e há muito reconhecemos este fato como inerente à degeneração do estado dos trabalhadores. O imperialismo burocrático é apenas uma forma especial desta apropriação” [15].

Os comunistas iugoslavos se convenceram rapidamente de que Moscou “queria subordinar completamente a economia da Iugoslávia e transformá-la em um mero coadjuvante no fornecimento de matérias-primas à União Soviética, o que dificultaria a industrialização e interromperia o desenvolvimento socialista do país” [16]. As “joint ventures” soviético-jugoslavas destinavam-se a monopolizar a exploração dos recursos naturais da Iugoslávia, necessários à indústria soviética. O comércio desigual entre os dois países asseguraria lucros extraordinários para a economia soviética em detrimento da economia iugoslava.

Após a ruptura da Iugoslávia com Stalin, Josip Broz Tito disse que após o Pacto Molotov-Ribbentrop (1939), e especialmente após a conferência dos “três grandes” em Teerã (1943), a URSS participou da divisão imperialista do mundo e “avançou conscientemente pelo antigo caminho czarista do expansionismo imperialista”. Ele também disse que “a teoria do povo líder dentro de um Estado multinacional”, proclamada por Stalin, “não é nada mais que a expressão da subjugação de fato, da opressão nacional e do saque econômico de outros povos e países pelo povo líder” [17]. Em 1958, Mao Tse Tung observou ironicamente em uma discussão com Nikita Khrushchev: “Havia um homem chamado Stalin que tomou Port Arthur e transformou Xinjiang e Manchuria em semicolônias, e também criou quatro sociedades mistas. Todas estas foram suas boas ações” [18].

A União Soviética à beira da desintegração

O imperialismo burocrático russo contava com poderosos monopólios extra-econômicos, reforçados pelo poder totalitário e, portanto, de caráter não econômico. Como resultado, revelou-se muito fraco ou totalmente incapaz de realizar os planos estalinistas de explorar os países satélites da Europa Oriental e as regiões fronteiriças da China Popular. Diante da crescente resistência nesses países, a burocracia de Moscou teve que abandonar a ideia de “sociedades mistas”, de comércio desigual e da divisão colonial do trabalho que procurava impor. Após a perda da Iugoslávia, a partir de 1948 perdeu gradualmente o controle político sobre a China e alguns outros países e teve que afrouxar seu controle sobre outros.

Dentro da própria URSS, os monopólios extra-econômicos também se mostraram incapazes de assegurar o domínio imperialista de longo prazo da Rússia sobre as grandes repúblicas periféricas. A industrialização, a urbanização, o desenvolvimento da educação e mais geralmente a modernização das periferias da União Soviética, bem como a crescente “nacionalização” de sua classe trabalhadora, da inteligência e da própria burocracia, começaram gradualmente a mudar o equilíbrio de poder entre a Rússia e as repúblicas periféricas em favor destas últimas. O controle de Moscou sobre as repúblicas periféricas estava enfraquecendo e a crescente crise do sistema acelerou o processo, que começou a desintegrar a União Soviética. Contramedidas centrais – como o derrube do regime de Petro Shelest na Ucrânia (1972), descrito como “nacionalista” pelo Kremlin – não conseguiram reverter a situação ou mesmo interromper efetivamente o processo.

Durante a segunda metade da década de 1970, o jovem sociólogo soviético Frants Sheregui tentou observar a realidade da URSS à luz da “teoria da classe marxista combinada com a teoria dos sistemas coloniais”. Ele concluiu que “a extensão gradual da intelligentsia e da burocracia (funcionariado) nacionais [isto é, autóctones – zmk] nas repúblicas não russas, o crescimento da classe trabalhadora – em suma, a formação de uma estrutura social mais progressista – levaria as repúblicas nacionais a se separarem da URSS”. Alguns anos mais tarde, encomendado pelas mais altas autoridades do Partido Comunista Soviético, ele analisou a situação social das equipes de jovens mobilizados pela Komsomol (Juventude Comunista) em todo o país para a construção da ferrovia Baikal-Amur, a famosa “obra do século”. “Eu estava curioso”, diz Sheregui, “sobre a contradição que descobri entre as informações sobre a composição internacional dos operários da construção civil, truncadas pela propaganda oficial, e o alto grau de uniformidade nacional das brigadas de trabalhadores que chegaram”. Eles eram compostos quase inteiramente de pessoas etnicamente russas e de língua russa. “Cheguei então à conclusão inesperada de que os russos (e ‘falantes de russo’) estavam sendo deslocados fora das repúblicas nacionais” pelas chamadas nacionalidades titulares, tais como os cazaques no Cazaquistão.

Isto foi confirmado em seus estudos de dois outros grandes projetos na Rússia. “O governo central sabia disso e estava envolvido no reassentamento dos colonos russos, financiando ‘projetos de engenharia de choque’. Assim, concluí que, devido ao esgotamento dos fundos sociais das repúblicas nacionais, havia escassez de empregos, mesmo para os representantes das nacionalidades titulares, onde havia garantias sociais (creches, acampamentos de férias, sanatórios, oportunidades de moradia); tais situações poderiam levar a antagonismos inter-étnicos, de modo que as autoridades gradualmente “repatriavam” jovens russos que viviam nas repúblicas nacionais. Então percebi que a União Soviética estava prestes a explodir em pedaços”. [19]

Império Militar-Colonial

A crise do regime burocrático soviético e do imperialismo russo foi tão profunda que, para surpresa de todos, a URSS entrou em colapso em 1991, não apenas sem uma guerra mundial, mas nem mesmo uma guerra civil. A Rússia perdeu suas periferias externas, já que 14 repúblicas não russas da União a deixaram e proclamaram sua independência: todas aquelas que, de acordo com a Constituição Soviética, tinham esse direito. Isto resultou em uma perda de territórios – sem precedentes na história russa – totalizando 5,3 milhões de quilômetros quadrados. Entretanto, como Boris Rodoman, um eminente cientista que criou a escola russa de geografia teórica, salientou, a Rússia permanece hoje “um império militar-colonial que é mantido ao preço de um desperdício desenfreado de recursos naturais e humanos, um país de desenvolvimento extensivo no qual o uso extremamente esbanjador e dispendioso da terra e da natureza é um fenômeno comum”. Neste campo, assim como no que diz respeito à “migração de populações, relações mútuas entre grupos étnicos, entre a população local e migrantes em várias regiões, entre autoridades estatais e populações, as características “clássicas” do colonialismo ainda estão vivas, como no passado”.

A Rússia continua a ser um Estado multinacional composto por 21 repúblicas não russas, cobrindo quase 30% do seu território. Rodoman escreve que “no nosso país temos um grupo étnico que leva o seu nome e fornece a língua oficial, bem como muitos outros grupos étnicos; alguns deles gozam de autonomia nacional-territorial, mas não têm o direito de abandonar esta pseudo-federação, ou seja, são forçados a permanecer no mesmo. Cada vez com mais frequência, a necessidade de unidades administrativas estabelecidas segundo linhas étnicas é questionada; o processo da sua liquidação começou com os distritos autónomos. Contudo, quase todos os povos não-russos não viveram na Rússia em resultado da imigração, não se mudaram para um Estado russo existente, mas pelo contrário: são nacionalidades subjugadas por este Estado, deslocadas, parcialmente exterminadas, assimiladas ou cujo estatuto de Estado foi retirado. Neste contexto histórico deve ser considerado que as autonomias nacionais, mesmo até que ponto elas são reais e até que ponto são apenas nominais, constituem uma recompensa moral para as comunidades étnicas que sofreram um “trauma de subjugação”. No nosso país, os pequenos povos que não gozam de autonomia nacional ou cuja autonomia foi retirada desaparecem rapidamente (por exemplo, os Vepsios e os Shors). As comunidades étnicas indígenas, que no início da era soviética estavam em maioria nas suas autonomias, estão agora em minoria, devido à colonização ligada à apropriação de recursos naturais, construção em grande escala, industrialização e militarização. O desenvolvimento de “terras virgens”, a construção de portos e centrais eléctricas nas repúblicas bálticas, etc., não foram apenas por razões económicas, mas também para russificar as periferias da União Soviética. Após o seu colapso, as guerras típicas para preservar colónias num império em desintegração são os conflitos armados no Cáucaso, cujos povos se tornaram reféns da política imperial conduzida de acordo com o princípio de dividir para reinar. A extensão da esfera de influência no mundo, incluindo a reincorporação de antigas partes da URSS a esta esfera, é hoje a prioridade da política externa russa. Nos séculos XVIII e XIX na Rússia czarista, as tribos nômades concordaram em tornar-se súbditos russos, pelo que as suas terras se tornaram automaticamente terras russas. A Rússia pós-soviética entrega passaportes russos aos habitantes dos países vizinhos”… [20]

Restauração do imperialismo capitalista

A restauração do capitalismo na Rússia complementou e substituiu em parte os monopólios extra-económicos, enfraquecido e amputado após a desintegração da União Soviética, por um poderoso monopólio financeiro fundido com o aparelho de Estado. O imperialismo russo, reconstruído nesta base, continua a ser um fenómeno intrinsecamente interno e externo; opera de ambos os lados das fronteiras do país, que estão de novo a tornar-se móveis. As autoridades russas criaram uma mega-empresa estatal que tem o monopólio da colonização interna da Sibéria Oriental e do Extremo Oriente. Estas regiões têm depósitos de petróleo e outros minerais. Também gozam de acesso privilegiado a novos mercados globais na China e no Hemisfério Ocidental.

É possível que estas duas regiões partilhem o destino da Sibéria ocidental. “O centro federal reserva para si quase todas as receitas petrolíferas da Sibéria Ocidental, sem afectar fundos à região, mesmo para a construção de estradas normais”, escreveu a jornalista russa Artem Yefimov há alguns anos. “O problema, como sempre, não é a colonização, mas o colonialismo”, porque “é a exploração econômica e não a melhoria e o desenvolvimento do território que a referida empresa procura. […] É basicamente uma admissão do fatto de que no país, ao mais alto nível do Estado, reina o colonialismo. A semelhança desta empresa com a East India Company e outras empresas coloniais europeias dos séculos XVII a XIX é tão óbvia que até pode ser engraçada” [21].

Há um ano, a revolta em massa dos ucranianos na Maidan de Kiev, que culminou com o derrube do regime Yanukovych, foi uma tentativa da Ucrânia de quebrar para sempre a relação colonial que historicamente a ligava à Rússia. Não podemos compreender a actual crise ucraniana – a anexação da Crimeia, a rebelião separatista em Donbas e a agressão russa contra a Ucrânia – sem compreender que a Rússia continua a ser uma potência imperialista.

Referências

[1] S.A. Nikolsky, „Russkiye kak imperskiy narod”, Politicheskaya Kontseptologuiya, no. 1, 2014, p. 42-43.

[2] M.N. Pokrowsky, Istoricheskaya nauka i bor´ba klassov, Moskva – Leningrad: Sotsekizd, 1933, vol. I, p. 284.

[3] A.M. Dubrovsky, Istorik i vlast´, Briansk: Izd. Brianskogo Gosudarstvennogo Universiteta, 2005, p. 238, 315-335.

[4] Véase J. Haldon, The State and the Tributary Mode of Production, London – New York: Verso, 1993; Yu.I. Semiónov, Politarnyi (‘azyatskiy’) sposob proizvodstva: Sushchnost´ i mesto v istorii chelovechestva i Rossii, Moskva: Librokom, 2011.

[5] A. Etkind, Internal Colonization: Russian Imperial Experience,Cambridge-Malden: Polity Press, 2011, p. 23-24, 26, 251.

[6] V.I. Lenin,Polnoe sobranie sochineniy,Moskva: Izd. Politicheskoy Literatury, 1969- 1973, vol. XXVI, p. 318; vol. XXVII, p. 378; vol. XXX, p. 174.

[7] L. Trotsky,Historia de la Revolución Rusa,Madrid: Fundación Federico Engels, 2007, p. 35.

[8] G. Safarov, Kolonialnaya revolutsiya: Opyt Turkestana, Moskva: Gosizdat, 1921.

[9] M. Tujachevsky, Voyna klassov, Moskva: Gosizdat, 1921, p. 50-59. Em inglês: M. Tukhachevsky, ,“Revolution from Without”, New Left Review,no. 55, 1969.

[10] S. Mazlakh, V. Shakhrai,On the Current Situation in the Ukraine,Ann Arbor: University of Michigan Press, 1970.

[11] L. Trotsky, Stalin, Petersburg: Lenizdat, 2007, vol. II, p. 189.